O amigo e o psicoterapeuta
É muito comum confundirmos a idéia do amigo com a do psicoterapeuta. Geralmente, consideramos como amigos verdadeiros aquelas poucas pessoas com quem podemos compartilhar as alegrias, mas também os problemas, as dúvidas e as dificuldades. Além disso, o que difere os amigos de simples colegas e conhecidos é que com estes últimos não nos sentimos seguros para compartilhar questões mais difíceis e delicadas. Em contrapartida, esperamos que os amigos sejam solidários conosco, nos apoiado em nossas fraquezas e medos. Esperamos também que ao expormos nossos pontos fracos ou erros, eles não fiquem contra nós, falem mal, debochem ou se aproveitem da situação para tirar vantagens sobre nós. Por outro lado, não é difícil constatar que muitas pessoas têm uma perspectiva semelhante a essa idéia mencionada do amigo ao se tratar da figura do psicoterapeuta. Muitos entendem que o psicoterapeuta é basicamente aquela pessoa com quem podemos falar sobre tudo sem medo ou vergonha, ou seja, como com um amigo, e é sobre essa comparação que discutirei.
É bem verdade que entre a figura do amigo e do psicoterapeuta há semelhanças, mas também há diferenças. Em primeiro lugar, com o amigo podemos falar tudo, menos aquilo que pode abalar a nossa relação de amizade. A amizade em si não deixa de ser também uma relação de trocas, onde se compartilham mutuamente solidariedade, apoio, respeito e carinho. Então, se eventualmente um dos amigos não corresponde conforme esperado, a amizade pode ser rompida. Assim, há limitações nessa relação e o apoio dos amigos não é incondicional. Outra característica relevante é que o amigo tende a responder às nossas questões, mesmo no melhor das intenções, com conselhos, conforme sua experiência de vida e suas convicções. Já na relação com o psicoterapeuta, o cliente também pode falar de tudo, mas pode incluir aspectos que dificultam a relação com qualquer pessoa, incluindo desafetos com o próprio psicoterapeuta. Nesse caso, a base da relação é profissional e trocas afetivas podem ser aceitas, mas não são necessárias para a manutenção da relação psicoterápica. Outro aspecto que também é diferente é que as respostas do psicoterapeuta às questões do cliente não são ou não devem ser baseadas na experiência pessoal ou em convicções particulares do profissional. De acordo com a abordagem em que fundamento meu trabalho, a Psicoterapia Centrada na Pessoa, uma das modalidades das teorias humanistas, todas as respostas se encontram no próprio cliente e o trabalho do psicoterapeuta é ajudá-lo a encontrar nele mesmo todas essas respostas. Conforme nossa teoria, no decorrer da vida, as pessoas acabam perdendo contato com sua experiência e com seus sentimentos, abrindo mão destes para serem aceitas na convivência social e, assim, acabam ficando desorientadas e neuróticas. Assim sendo, o papel do psicoterapeuta é ajudá-las a entrar em contato com experiências e sentimentos autênticos e, a partir daí, auxiliar na aceitação e compreensão destes de forma a descobrir maneiras de utilizá-los como recursos para produzir melhores respostas e dar soluções.
Concluo, então, que apesar do amigo poder ajudar muito pela companhia e solidariedade, não faz o papel e a função de um psicoterapeuta e que o psicoterapeuta pode ser amigo, mas não ocupa o lugar do relacionamento mutuamente compartilhado do amigo. Devemos esperar amizade verdadeira do amigo, enquanto que do psicoterapeuta devemos esperar um relacionamento que proporcione as melhores condições para explorar e compreender nosso ser de modo a melhorar nossa vida, ou seja, devemos esperar uma relação condizente com a psicoterapia profissional.